Ano novo, vida nova, com mais actividade neste blog, assim o espero.
Quando sinto necessidade de mudar, recarregar baterias para uma nova fase, agarro-me a velhos companheiros, pelos quais nutro um fascínio especial; daí resolvi reler "A Metamorfose". Verifiquei mesmo agora que tinha iniciado um rascunho sobre este livro a 26-10-2006 - o tempo passa… ai, afinal, rapaz, o tempo passa!
Há alturas em que me parece impensável reler este livro, mas noutras torna-se imprescindível o estranho conforto que encontro no desconforto relatado nestas escassas páginas. Ou nos fascina ou nos repugna. Se é fácil perceber porque nos repugna, o fascínio que também nos pode provocar não é assim tão compreensível. Talvez tenhamos a ilusão que se encararmos o horror de frente tornamo-nos mais fortes, ou seja, acordamos nós próprios com uma carapaça, e um certo sadismo passa a ser contemplação da beleza do feio que julgamos que nos fortalece a alma – imagino muitos a torcer o nariz ao lerem isto. De qualquer forma, acho hipnotizante a forma como o escritor descreve com frieza e simplicidade tudo o que pode haver de menos bonito na vida. Como alguém me disse um dia – Ninguém enfatiza o horrível como Kafka!
Se já conheço esta novela desenxabida porque desejo voltar ao seu ambiente surreal? – tenho andado a tentar responder a esta pergunta e não consigo. Num ambiente hostil, em que um homem vulgar se vê transformado num insecto, observamos ao pormenor o desespero, a agonia, o abandono e, mais assustador do que tudo isso, a sua modesta resignação:
"Sem dúvida, alguém desejara entrar, mas os escrúpulos tinham vencido. (...) Logo de manhã, quando todas as portas estavam fechadas à chave, todos queriam entrar; agora que ele tinha aberto uma e que as outras manifestamente tinham sido abertas durante o dia, ninguém vinha. Aliás, as chaves estavam nas fechaduras, mas do outro lado das portas. (...) Por agora, até de manhã, certamente ninguém viria ver Gregor. Dispunha portanto de muito tempo para reflectir com tranquilidade sobre o modo como iria reorganizar a sua vida."
5 comentários:
Se já conheço esta novela desenxabida porque desejo voltar ao seu ambiente surreal?
Primeiro, não sei como se pode chamar à Metamorfose uma novela desenxabida. Quanto ao resto: já há bastante tempo que eu acho que o surreal é a mais fiel linguagem para descrever a realidade.
Ou nos fascina ou nos repugna. Ou ambas as coisas.
Desenxabido é sinónimo de desgracioso, por isso fico na minha.
Quanto ao ou era inclusivo :)
Li-o no Verão e escapou-me o porquê desse fascínio generalizado. Prefiro O Processo. Esse sim, um livrinho mais jeitosinho.
Um dia destes tb processo-me, mas agora vou variar um bocadinho.
Gata garota,
tu escreve como ninguém!!
Parabéns!!
Beijos com sabor de Brasil!
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