23 novembro 2006

Nem tudo começa com um beijo - Jorge Araújo e Pedro Sousa Pereira

Já andava a namorar este livro há algum tempo. Li algures um artigo sobre os autores e dois pontos suscitaram o meu interesse: as histórias (não consigo habituar-me a estórias) de Jorge Araújo eram acompanhadas com ilustrações de Pedro Sousa Pereira – este 2 em 1 fascina-me; ambos nasceram em ex-colónias portuguesas.
Recentemente, enquanto atravessava uma daquelas fases em que nenhum livro tem a capacidade de "me agarrar" especialmente, resolvi finalmente comprá-lo, mais uma vez em duplicado – um para oferecer (já leste Catas?) e outro para guardar. Esta pseudo-história-infantil deu corda à minha imaginação e gostei de me perder pela Cave (buracos do esgoto onde vivem meninos da rua que têm medo de crescer e ficarem sem buraco onde viver). No meio deste cenário enclausurante surge uma história de amor além fronteiras que dá a pincelada fulcral a esta história de encantar. Quando cheguei à página 152 – supostamente ao final do livro – dei de caras com um posfácio escrito por um tal Pedro Ayres Magalhães que roubou, sem dó nem piedade, a nuvenzinha mágica que pairava sobre a minha cachimónia. A análise metafórica do senhor, que pelos vistos tem algum crédito, tendo em conta que foi publicada juntamente com o livro, está envolta num espírito tão… como dizer… tão gélido, que sinceramente fiquei de mau humor. Eu que até gosto de viragens repentinas na moral de uma história, esta achei-a muito pouco estética, para não dizer ética. Ou seja, eu que já estava preparada para fazer um comentário todo pimpolho a este livro, fiquei sem vontade nenhuma. Por isso o meu conselho é: se quiserem ler um conto engraçadote com umas ilustrações giras, leiam este singelo livro, como o posfacista o adjectiva, mas antes arranquem as últimas 13 páginas.

15 outubro 2006

O outro pé da sereia - Mia Couto

Apaixonei-me por este livro mal o vi: título sugestivo, imagem de capa enigmática, corpo do livro dividido em cadernos, ora de folhas brancas ora de folhas amarelas. Estas mariquices fascinam-me:)
Pois bem, o Mia Couto não me desapontou e bem ao estilo dele esta história é um bolo de realidade e imaginário muito bem batido. O final é tão (ou tão pouco) revelador que ainda agora estou a tentar tirar as minhas próprias ilações sobre o que realmente se passou ao longo das 382 páginas - vicio irritante do ser humano.
Como é costume, deixo-vos com um pequeno mimo deste livro - um trecho de um diálogo entre Mwadia, personagem principal (e única?!?!) deste enredo, com o seu padrasto, Jesustino Rodrigues, o alfaiate reformado de Vila Longe, de descendência indiana:

- Esse poente, esse poente! Você usava aquela outra palavra que eu gostava tanto, como era?
- Crepúsculo.
- Era isso mesmo, crespu... diga lá outra vez!
- Crepúsculo.
- Maravilha
, disse Rodrigues, soletrando repetidamente a palavra. E suspirou: Estou para aqui todo crepuscalado.

12 agosto 2006

Jerusalém - Gonçalo M. Tavares

Já há algum tempo que queria ler este livro por ter ouvido alguém dizer que era o melhor livro português de 2005. Quando há duas semanas procurava uma prenda para oferecer a uma amiga - que é das poucas que comenta neste blog - encontrei-o sem querer, a um preço reduzido num hipermercado (porreiro!!), e resolvi comprar dois exemplares: um para oferecer e outro para ler.
Têm-me perguntado diversas vezes se o livro é sobre a cidade de Jerusalém e para falar a verdade não faço a mínima ideia onde é que é passada a acção da narrativa, mas acontece que a única vez que esta palavra vem mencionada ao longo de todo o livro é na página 170, com a frase:

Se eu me esquecer de ti, Jerusalém, que seque a minha mão direita.

Leiam o livro e depois tirem as vossas conclusões quanto ao título.
Para mim esta narrativa é quase como um ensaio sobre o velho ditado "De louco todos temos um pouco". É um livro sobre várias personagens, por ventura todas loucas à sua maneira, e não tanto um enredo entre elas. Por esta razão acredito que muitos não irão gostar do género. Eu gostei porque acabo por ter sempre um fascínio por murros fortes no estômago e este é sem dúvida um livro negro, que faz jus à capa. Vejo este Livro Preto (assim é chamada a colecção onde se insere) como uma enorme corrente fechada em que cada capítulo é um anel. Provavelmente esta estrutura circular é para nos deixar tontos e também nós loucos um pouco - se é que já não o somos.
Como já vem sendo hábito, deixo-vos com uma das passagens da obra que mais gostei, que me fez lembrar muitos dos pesadelos que tenho:

Porque havia sempre a sensação de que o homem que persegue, persegue individualmente; marcou-nos algures com uma marca imperceptível e não nos larga; e quase tão terrível como não nos deixar de perseguir é o facto de não nos conseguir agarrar.

09 agosto 2006

A história do Senhor Sommer - Patrick Suskind

À semelhança do livro do Jorge Amado, este também é óptimo para se ler numa bela tarde de praia. Mais sóbrio e consistente, este é um livro que faz recordar episódios de infância que teimosamente não esquecemos e, sem se saber muito bem porquê, marcam-nos eternamente. Tal como nunca me esqueci que uma vez fui para a aula de música só com uma meia calçada e a outra no bolso, agora não me esquecerei do episódio da ranhoca na tecla do fá sustenido :)

22 julho 2006

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá - Jorge Amado

Que bela ideia eu tive hoje! Quando a minha mãe me arrastou até à praia, nesta tarde de Sábado soalheira, arrastei comigo uma pequeníssima GRANDE preciosidade: a edição de bolso da Dom Quixote do livro “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá – uma história de amor” de Jorge Amado, prenda de aniversário, oferecida para comemorar os meus 26 aninhos (obrigada Pedro). Aconselho vivamente a quem ainda não leu esta história, e não sabe que livro levar para empatar o tempo que vai passar estendido numa toalha, a carregar consigo este peso-pluma. Não incomoda nada, lê-se num instante e faz bem à alma.
Esta história fez-me sorrir constantemente e despertou em mim sensações puras, quase infantis, muito familiares, mas praticamente esquecidas. Terminei de ler o livro com um nó na garganta (ou um peso no coração – nunca sei distinguir muito bem) mas fechei-o com aquela ilusãozinha que a vida é bela e amarela.
Ao tentar escolher uma frase que exemplifique a beleza e doçura deste livro arrisco-me a transcrever a história por completo, mas aqui fica uma pequena pérola da primeira parte do livro:

Vestida de luz branca com salpicos de flores azuis e vermelhas, a Manhã atravessa por entre as nuvens, distraída, pensativa, reflectindo sobre o caso que o Vento viera de lhe contar.

Por vezes, o sorriso constante gerado pela leitura da história, transformava-se mesmo numa gargalhada muda (estava no meio de muita gente – quem vai a Carcavelos ao fim de semana sabe como é, temos que deixar o território marcado com a toalha quando vamos à água, senão arriscamo-nos a passar o resto da tarde a trabalhar para o bronze de pé). Bem, mas dizia eu que também me ri ao longo desta história. Aqui fica mais um pequeno trecho:

Além de mau e feio, o Gato Malhado era um pobre de Job; repousava a cabeça em cima dos braços. Sendo de pouco luxo, não reclamava. Falta sentia de outras coisas: de afeição, de carinho e de salsichas vienenses.

Resta dizer que a última ilustração do Gato Malhado ajudou em muito ao desenvolvimento do nó na minha garganta.

17 julho 2006

Dias Exemplares - Michael Cunningham

Quarto livro publicado em Portugal de um escritor que eu muito admiro. Os livros são sempre muito bem escritos e emocionalmente fortes. Geralmente leio os livros dele de uma rajada só, mas neste, infelizmente, tive que fazer uma pausa. Li as duas primeiras histórias no início deste ano (Janeiro) e guardei a futurista para agora. Se o Auster não se tivesse adiantado, bem que este livro poderia chamar-se Trilogia de Nova Iorque (a meu ver o título seria bem mais adequado). A qualidade de escrita não me desilude, a criatividade surpreende-me, mas já quanto à profundidade deixa um pouco a desejar. O meu favorito dele continua a ser Sangue do meu Sangue.

31 março 2006

Quando Nietzsche Chorou - Irvin D. Yalom

Este é um dos casos em que comprei um livro simplesmente pelo título sugestivo e pelo interesse provocado por uma rápida passagem de olhos pelo pequeno texto da contra-capa. Em resumo, resolvi arriscar.
Desde há algum tempo que a personagem Nietzsche me tem suscitado algum interesse, mas até agora ainda não tinha lido nada de/sobre ele.
A seguinte passagem do livro "Assim falava Zaratustra" (fica explicado o nome do blog) serve de aperitivo para o romance de ideias que lhe procede:

Alguns não conseguem afrouxar as suas próprias cadeias e, não obstante, conseguem libertar os seus amigos.

Um homem tem que estar preparado para se queimar na sua própria chama: como se pode renovar sem primeiro se transformar em cinzas?


Tenho que dizer que aprecio as qualidades físicas deste livro, tanto a textura da capa, como das folhas do seu interior (ásperas). Quando ao cheiro não dou nota 10, mas não é mau de todo. O preço capa está em 18.85€, mas com os descontos da praxe conseguimos levá-lo para casa por 16.97€.
Quando ontem peguei no livro, na esperança de me ajudar a adormecer, só consegui apagar a luz eram já três da manhã (tinha de acordar às sete). Lê-se com bastante fluidez mas distingue-se daquele género ligeiro que nos dá a sensação que estamos só a encher chouriço, ou seja, a encher os nossos neuroniozinhos com lamechices e outras tretas que não servem para nada. A forma como este livro agarra o leitor aproxima-se do poder do best-seller "Código da Vinci" (muitos vão detestar esta comparação), mas quanto ao género em si distingue-se do mencionado. Na verdade, a natureza do livro faz-me lembrar, por vezes, o meu querido "Imortalidade" do Kundera. Ou seja, não é daqueles livros que temos de os ler num daqueles dias em que o nosso Q.I. está especialmente forte, mas também não é daqueles tipo novela das oito (nove e tal).
O 1º capítulo resume-se a um pequeno-almoço em Veneza (fiquei com uma enorme vontade de voltar) e de resto, até agora, a "acção" desenrola-se em Viena (será que é desta que me vou apaixonar por esta cidade?).
Para servir de teasing, deixo-vos esta frase presente no 2º capítulo:

Conversámos sobre a relatividade do bem e do mal, sobre a necessidade de se libertar da moralidade pública de modo a viver moralmente a religião de um livre-pensador.