30 agosto 2010

Comboio Nocturno para Lisboa - Pascal Mercier (2004)

Não tenho o mínimo receio de colocar desde já este livro no meu Top10. Este híbrido de "A Sombra do Vento" e de "Um Mundo de Sofia" foi muito do meu agrado. É verdade que demorei imenso tempo a lê-lo, mas ao contrário de "O Símbolo Perdido", este é um livro para se ir saboreando calmamente, degustando com prazer cada frase.

"Quando leio o jornal, ouço rádio ou presto atenção ao que as pessoas me dizem no café sinto, cada vez com mais frequência, tédio, para não dizer náusea, perante sempre o mesmo chorrilho de palavras iguais, escritas e ditas - sempre as mesmas expressões retóricas, sempre os mesmos floreados e metáforas. E o pior é quando me escuto a mim próprio e tenho de constatar que também eu me limito a alinhar sempre pelos mesmos padrões." (pág. 36)

Em Setembro, empolgada por mais um Interrail que tinha acabado de fazer, e já com saudades da sensação de liberdade que uma viagem de comboio me proporciona, peguei neste livro fascinada pelo título e qual a minha surpresa quando começo a descortinar que a acção inicial decorre na última cidade que tinha visitado - Berna. Fiquei com um sorriso parvo estampado na cara e de imediato este livro adquiriu um lugar especial.

"Não se vêem pessoas como se vêem casas, árvores ou estrelas. Vemo-las na expectativa de as podermos encontrar de uma certa maneira, tornando-as assim num pedaço da nossa própria interioridade. (...)Na verdade, nem sequer conseguimos alcançar, de uma forma segura e imparcial, os contornos exteriores de uma outra pessoa. A meio caminho, o nosso olhar é desviado e turvado por todos os desejos e fantasmas que fazem de nós a pessoa especial e insubstituível que somos." (pág. 86 e 87)

Um colega, que também leu o livro, contou-me que na sua opinião o autor no final não encontrou o que procurava... não fiquei com a mesma sensação. É evidente que estamos sempre à espera de um desfecho de cortar a respiração, ou de uma revelação completamente inesperada, ou de qualquer coisa, que neste caso em parte não existe, mas não penso que tenha ficado um vazio por preencher, apenas uma nostalgia imediata por termos terminado de ler o livro e um relembrar das palavras Carpe Diem que toda a gente aprendeu no Clube dos Poetas Mortos. Talvez o livro seja sobre liberdade, sobre as viagens que fazemos para nos descobrirmos a nós próprios, ou talvez não seja sobre nada disso. É um livro simplesmente bom de se ler... é bonito! Cativa desde as referências ao "Livro do Desassossego" do Pessoa, desde a forma de descrever Lisboa e os lisboetas, desde a personagem principal, mas ausente, Amadeu de Prado. Espero que gostem tanto como eu.

"É por isso que não podemos desejar honestamente desconhecer a experiência da irritação, substituindo-a por uma indiferença obstinada que em nada se distinguiria da insensibilidade. A irritação também nos ensina a ver quem somos. É por isso que o que eu quero saber é o seguinte: em que é que poderia consistir educarmo-nos na irritação, desenvolver uma cultura da irritação que nos permitisse aproveitarmos o seu momento de conhecimento, sem sucumbirmos ao seu veneno?" (pág. 370)