25 janeiro 2008

Os Paraísos do Caminho Vazio e outros contos - Rosa Liksom

"A mulher junta os ossos roídos do frango num grande monte ao canto da mesa e arrota ruidosamente." – são belas frases como esta que podemos encontrar ao longo deste compêndio de contos.
Lá consegui contrariar a minha panca de só ler livros meus – ridículo e dispendioso, eu sei – e li este emprestado por andar a reclamar que estou numa fase em que só me apetece ler histórias frias e cruas, como sushi. Na verdade, se o livro não me tivesse sido gentilmente emprestado e, por outro lado, eu tivesse simplesmente pegado nele, por acaso, numa livraria qualquer, estou certa que não o traria comigo, isto porque as primeiras páginas são tão verbalmente violentas que se quisesse transcrever apenas uma única frase, este blog teria de passar a ter uma bolinha vermelha no canto superior direito.
Basicamente, trata-se de uma colecção de pequeníssimas histórias onde o mais absurdo ou perverso acontece sempre, o que faz com que o desfecho seja sempre demasiado previsível. Sim, são frias, sim, são cruas, mas não encheram as medidas do meu vazio glaciar. De qualquer forma, serve o presente post para inaugurar a minha apreciação de um livro cujo autor é do sexo feminino. Quando terminei de o ler, pensei que gostava de ter a experiência de ler um livro do qual desconhecesse o sexo do autor, isto porque dei por mim muitas vezes a dizer, enquanto percorria as páginas deste livro – vê-se mesmo que é mulher! E atenção que a escrita de Rosa Liksom está muito longe de qualquer estereotipo de escrita de mulher. Muitas vezes o narrador, e protagonista principal do conto, é um homem; geralmente um homem violento e amargo, mas que ao transparecer a sua virilidade nota-se que só pode ser uma mulher a escrever - ou então sou eu que tenho a mania que consigo captar sempre tudo. Aqui fica um exemplo do que estou a tentar dizer:

"Deixei-a porque queria viver sozinho. Não suporto os cheiros das outras pessoas, nem as caras que fazem, nem a maneira como se sentam, à mesa ou em frente da televisão. Quero viver sozinho porque não preciso de ninguém, muito menos de uma mulher que faz de tudo um problema. E apesar disso, estou aqui sentado neste sofá, pelo sétimo dia, e não penso em mais nada a não ser nela. Não tenho um momento de sossego, porque ela está presente o tempo todo. Isto remexe-me de tal maneira que nem dormir consigo. O coração bate-me da nuca às pontas dos dedos."

Como nota final, devo dizer que achei curioso o uso excessivo da palavra seios ao longo das linhas destes contos o que, na minha opinião, faz com que a escolha da imagem da capa esteja muito bem conseguida.

10 janeiro 2008

A Metamorfose - Franz Kafka

Ano novo, vida nova, com mais actividade neste blog, assim o espero.
Quando sinto necessidade de mudar, recarregar baterias para uma nova fase, agarro-me a velhos companheiros, pelos quais nutro um fascínio especial; daí resolvi reler "A Metamorfose". Verifiquei mesmo agora que tinha iniciado um rascunho sobre este livro a 26-10-2006 - o tempo passa… ai, afinal, rapaz, o tempo passa!
Há alturas em que me parece impensável reler este livro, mas noutras torna-se imprescindível o estranho conforto que encontro no desconforto relatado nestas escassas páginas. Ou nos fascina ou nos repugna. Se é fácil perceber porque nos repugna, o fascínio que também nos pode provocar não é assim tão compreensível. Talvez tenhamos a ilusão que se encararmos o horror de frente tornamo-nos mais fortes, ou seja, acordamos nós próprios com uma carapaça, e um certo sadismo passa a ser contemplação da beleza do feio que julgamos que nos fortalece a alma – imagino muitos a torcer o nariz ao lerem isto. De qualquer forma, acho hipnotizante a forma como o escritor descreve com frieza e simplicidade tudo o que pode haver de menos bonito na vida. Como alguém me disse um dia – Ninguém enfatiza o horrível como Kafka!
Se já conheço esta novela desenxabida porque desejo voltar ao seu ambiente surreal? – tenho andado a tentar responder a esta pergunta e não consigo. Num ambiente hostil, em que um homem vulgar se vê transformado num insecto, observamos ao pormenor o desespero, a agonia, o abandono e, mais assustador do que tudo isso, a sua modesta resignação:

"Sem dúvida, alguém desejara entrar, mas os escrúpulos tinham vencido. (...) Logo de manhã, quando todas as portas estavam fechadas à chave, todos queriam entrar; agora que ele tinha aberto uma e que as outras manifestamente tinham sido abertas durante o dia, ninguém vinha. Aliás, as chaves estavam nas fechaduras, mas do outro lado das portas. (...) Por agora, até de manhã, certamente ninguém viria ver Gregor. Dispunha portanto de muito tempo para reflectir com tranquilidade sobre o modo como iria reorganizar a sua vida."